Será que é possível rescindir um contrato por inadimplemento em qualquer circunstância?

É sabido que em uma relação contratual, quando uma das partes não cumpre com a sua obrigação, essa se torna inadimplente podendo a outra parte requerer a extinção do contrato, caso não prefira exigir o seu cumprimento, podendo inclusive pleitear indenização por perdas e danos.

No entanto, o que acontece quando a parte já pagou “quase tudo” do contrato, porém, teve problemas para quitar as últimas parcelas? Poderia o credor requerer a rescisão contratual com a retomado da bem?

Nesse caso, quando a parte já pagou considerável parcela das obrigações assumidas, pode-se invocar a Teoria do Adimplemento Substancial, que apesar de não ter previsão em nossa legislação tem sido admitida pela doutrina e jurisprudência.

Imagine que uma pessoa adquiriu um bem em 60 parcelas e no decorrer do contrato cumpriu pontualmente com o pagamento das prestações, no entanto, a partir da 55ª parcela não consegue adimplir com suas obrigações, seria correto o credor rescindir o contrato e reaver o bem? Por óbvio que não, uma vez que nesse caso houve o adimplemento de mais de 90% da obrigação.

No Adimplemento Substancial o credor fica impedido de rescindir o contrato, sendo permitido apenas o pedido de indenização e/ou seu adimplemento, ou seja, é possível ajuizar uma ação de cobrança das parcelas restantes, mas não ingressar com uma ação para reaver o bem por inadimplemento contratual.

Tal instituto visa impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos da vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa, donde se apreende que, diante do exercício desequilibrado e abusivo do direito de resolução por parte do credor fiduciário, justamente quando a dívida se encontra próxima do seu resultado final, deve-se prestigiar a preservação do contrato quando depurado que o já realizado alcança a quase integralidade da obrigação convencionada[i].

Para que se possa aplicar o Adimplemento Substancial é necessário analisar caso a caso e verificar se alguns requisitos estão presentes. Inicialmente a preservação do equilíbrio contratual, devendo prevalecer os princípios gerais contratuais como a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, conforme preconizado no Enunciado n. 361 CJF/STJ, in verbis:

“Enunciado n. 361 CJF/STJ O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

Ainda, faz-se necessário verificar os seguintes requisitos:

  1. a) a existência de expectativas legítimas, geradas pelo comportamento das partes;
  2. b) o pagamento faltante ínfimo, em se considerando o total do negócio;
  3. c) a possibilidade de conservação da eficácia do negócio, sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários;[ii]
  4. d) ausência do enriquecimento sem causa das partes.

Importante esclarecer que não é todo e qualquer inadimplemento que possibilitará a aplicação da teoria do Adimplemento Substancial, é preciso verificar as circunstâncias dos fatos, bem como quanto do contrato já efetivamente quitado, sua pontualidade e a boa-fé das partes, ou seja, deve-se analisar caso a caso.

Há de se salientar que não está o credor proibido de cobrar o saldo remanescente da dívida, mas, tão somente, impedido de rescindir o negócio jurídico por inadimplemento, devendo reaver o seu crédito de outras formas permitidas por lei.

Referido instituto visa preservar o equilíbrio contratual e evitar o enriquecimento sem causa dos contratantes, buscando proporcionar as partes a melhor forma de resolver o conflito.

O STJ afastou a teoria do Adimplemento Substancial para o pagamento da pensão alimentícia, pois sua aplicação afastaria a prisão civil do devedor de alimentos, além do fato de que uma pequena diferença pode ser relevante para as circunstâncias de fato do alimentando.

[i] Acórdão n. 931418, Relator Des. TEÓFILO CAETANO, Revisora Desª. SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 30/3/2016, Publicado no DJe: 25/4/2016.

[ii] STJ – REsp: 1638421 PR 2016/0300883-1, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 01/02/2017.

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